― O mover de Deus está aqui. Nada pode impedir você de sentir o fluir e o derramar da unção. Olhe para o irmão do seu lado e diga: “Resisti ao frio e ele fugirá de vós”.
Participar dos cultos em determinadas igrejas é um programa que exige alto grau de paciência e resignação, qualquer que seja a estação do ano. Raras comunidades mantêm-se imunes aos maneirismos e frivolidades do dialeto gospel no “momento da adoração”.
Outro expediente infalível para provocar bocejos é o recorrente saudosismo dos “bons tempos” da música cristã. Em todos os lugares, há tiozinhos de barriga protuberante repetindo que “naquela época o louvor era genuíno, sem a superficialidade de hoje”. Zzzzzz...
O que existe no hiato entre o discurso seboso que enaltece a década de 70 e essa geração que introduziu mantras e lamúrias no louvor? O expediente de encontrar culpados para eximir nossa própria culpa é de pouca valia na hora da reflexão. Se os heróis do Cazuza “morreram de overdose”, ainda mais complicada é a situação de quem encontra escassos referenciais para pautar seus sonhos.
Ignorados ou tratados como imbecis pelo meio editorial, os jovens encontraram na internet alguns expedientes para suprir essa “orfandade”. Na declinante indústria fonográfica gospel, poucos sobrevivem aos 15 minutos de fama preconizados por Andy Warhol. Mesmo assim, a aspiração ao estrelato consome a energia e o tempo de milhares de “levitas”. Claro que devidamente camuflada sob o discurso de “Deus me chamou para evangelizar através da música”. Infelizmente, poucos são vocacionados para interagir nas universidades e nos pólos culturais.
Em consonância com a poesia de Gilberto Gil, a alma de boa parte dos que pululam nos palcos musicais eclesiásticos “cheira a talco”. Necessário lembrar o outro adágio que apregoa não ser nada confiável o bumbum dos bebês. A alternância de odores sinaliza que é hora de trocar as fraldas e fazer a devida assepsia.
Líderes de todo o país sofrem nas mãos do que convencionou-se chamar de “sensibilidade dos músicos”, eufemismo para escamotear a constante contrariedade a qualquer tipo de ingerência. Se um número especial da galera é cancelado, imediatamente o grupo é banhado pela “unção do beicinho”. Fraldas cheias de novo.
Pressionados pela concorrência do vestibular e pela conquista ainda mais difícil de uma vaga no mercado de trabalho, muitos sucumbem à indolência macunaímica. Os males do sedentarismo são bem conhecidos. Desnudar a juventude evangélica de hoje revela as nádegas flácidas de uma geração que parece ter saído do nada e caminhar para o lugar nenhum. Ao contrário do filho pródigo da parábola, a herança que os jovens receberam da geração que os antecedeu não foi suficiente para grandes viagens. Em todos os sentidos.
Blaise Pascal falava em duas alternativas: desistência por meio da covardia ou o escape, por intermédio do orgulho. Será que não há luz divina no fim desse túnel?
“Ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição genética”, dizia o Che Guevara. Será que depois das gerações hippie e Coca-Cola teremos a geração H2OH, cujo conflito de “identidade” a confina em uma zona indefinida entre ser água ou refrigerante?
O conselho de Nelson Rodrigues é bem conhecido: “Jovens, envelheçam”. Minha recomendação é assaz diferente: rebelem-se. É hora de assestar contra a mediocridade reinante no meio do rebanho, contra a lassidão intelectual, contra as cassandras transmissoras do germe da culpa, contra o abuso de líderes tiranos, contra a indigência artística e até contra minhas diatribes.
Dono de lentes argutas e dramáticas para observar o mundo, Caio Fernando Abreu registrou um laivo de esperança que, a despeito de tudo e de todos, joga para escanteio minha angustiante sensação de impotência. “Continuo a pensar que quando tudo parece sem saída, sempre se pode cantar. Por essa razão escrevo.”
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